Libro del desasosiego (fragmento)
Traducción del portugués por Pablo Alejos Flores
Texto original de Fernando Pessoa
Edición por Alfonso Conde
Imagen: «Retrato de Fernando Pessoa» de Almada Negreiros
58 [hacia 1914] Fragmento de Libro del desasosiego de Fernando Pessoa
A veces pienso, con deleite por las bisectrices, en la posibilidad futura de una geografía de nuestra autoconciencia.
A mi parecer, el historiador futuro de sus propias sensaciones podrá quizá reducir a una ciencia precisa su actitud ante la conciencia de su propia alma. Por ahora vamos empezando en este difícil arte —todavía un arte, química de sensaciones en su estado alquímico por el momento—. Aquel científico de pasado mañana será especialmente escrupuloso con su propia vida interior. Creará a partir de sí mismo el instrumento de precisión para reducirla a lo analizado. No veo ninguna dificultad esencial en construir un instrumento de precisión, para uso autoanalítico, con aceros y bronces provenientes únicamente del pensamiento. Me refiero a los aceros y bronces que realmente son aceros y bronces, pero del espíritu. Y quizá sea así como debe construirse. Quizá sea necesario concebir la idea de un instrumento de precisión, viendo materialmente esa idea, para poder realizar un riguroso análisis íntimo. Y naturalmente también será necesario reducir el espíritu a una especie de materia real con una especie de espacio en el que existe. Todo ello depende de la agudeza extrema de nuestras sensaciones interiores, que, llevadas hasta donde pueden llegar, sin duda revelarán, o crearán, en nosotros un espacio real como el espacio que hay donde están las cosas materiales, y que, además, es irreal como cosa.
En verdad no sé si este espacio interior no es apenas una nueva dimensión del otro. Quizá la investigación científica del futuro descubra que todas son dimensiones del mismo espacio, por lo tanto, no sería ni material ni espiritual. En una dimensión viviremos en cuerpo; en la otra viviremos en alma. Y tal vez haya otras dimensiones en las que vivimos otras cosas igual de reales acerca de nosotros. A veces me complace dejarme poseer por la meditación inútil de hasta dónde puede llevarnos esta investigación.
Quizá se descubra que aquello a lo que llamamos Dios, y que tan patentemente está en otro plano que no es el de la lógica y la realidad espacial y temporal, es nuestro modo de existencia, una sensación nuestra en otra dimensión del ser. Esto no me parece imposible. Los sueños también serán, quizás o incluso, otra dimensión en la que vivimos, o un cruce de dos dimensiones; como un cuerpo vive en la altura, la anchura y la profundidad, nuestros sueños, quién sabe, vivirán en el ideal, en el yo y en el espacio. En el espacio por su representación visible; en el ideal por su presentación de otro tipo que no es el de la materia; en el yo por su íntima dimensión de lo nuestro. El propio Yo, el de cada uno de nosotros, es quizás una dimensión divina. Todo esto es complejo y a su debido tiempo, sin duda, se determinará. Los soñadores actuales son quizá los grandes precursores de la ciencia definitiva del futuro. No creo, por supuesto, en una ciencia definitiva del futuro. Pero eso no añade nada a lo que estoy diciendo.
A veces hago metafísica como esta, con la atención escrupulosa y respetuosa de quien de veras trabaja y hace ciencia. Ya he dicho que es posible que la esté haciendo realmente. Lo esencial es no envanecerme mucho con esto, pues la vanidad es perjudicial para la exacta imparcialidad de la precisión científica.
58 [1914?] Trecho de Livro do Desassossego de Fernando Pessoa
Penso às vezes com um agrado de bissecção na possibilidade futura de uma geografia da nossa consciência de nós próprios.
A meu ver, o historiador futuro das suas próprias sensações poderá talvez reduzir a uma ciência precisa a sua atitude para com a sua consciência da sua própria alma. Por enquanto vamos em princípio nesta arte difícil — arte ainda, química de sensações no seu estado alquímico por ora. Esse cientista de depois de amanhã terá um escrúpulo especial pela sua própria vida interior. Criará de si mesmo o instrumento de precisão para a reduzir a analisada. Não vejo dificuldade essencial em construir um instrumento de precisão, para uso autoanalítico, com aços e bronzes só do pensamento. Refiro-me a aços e bronzes realmente aços e bronzes, mas do espírito. E talvez mesmo assim que ele deva ser construído. Será talvez preciso arranjar a ideia de um instrumento de precisão, materialmente vendo essa ideia, para poder proceder a uma rigorosa análise íntima. E naturalmente será necessário reduzir também o espírito a uma espécie de matéria real com uma espécie de espaço em que existe. Depende tudo isso do aguçamento extremo das nossas sensações interiores, que, levadas até onde podem ser, sem dúvida revelarão, ou criarão, em nós um espaço real como o espaço que há onde as coisas da matéria estão, e que, aliás, é irreal como coisa.
Não sei mesmo se este espaço interior não será apenas uma nova dimensão do outro. Talvez a investigação científica do futuro venha a descobrir que tudo são dimensões do mesmo espaço, nem material nem espiritual por isso. Numa dimensão viveremos corpo; na outra viveremos alma. E há talvez outras dimensões onde vivemos outras coisas igualmente reais de nós. Apraz-me às vezes deixar-me possuir pela meditação inútil do ponto até onde esta investigação pode levar.
Talvez se descubra que aquilo a que chamamos Deus, e que tão patentemente está em outro plano que não a lógica e a realidade espacial e temporal, é um nosso modo de existência, uma sensação de nós em outra dimensão do ser. Isto não me parece impossível. Os sonhos também serão talvez ou ainda outra dimensão em que vivemos, ou um cruzamento de duas dimensões; como um corpo vive na altura, na largura e no comprimento, os nossos sonhos, quem sabe, viverão no ideal, no eu e no espaço. No espaço pela sua representação visível; no ideal pela sua apresentação de outro género que a da matéria; no eu pela sua íntima dimensão de nossos. O próprio Eu, o de cada um de nós, é talvez uma dimensão divina. Tudo isto é complexo e a seu tempo, sem dúvida, será determinado. Os sonhadores atuais são talvez os grandes precursores da ciência final do futuro. Não creio, é claro, numa ciência final do futuro. Mas isso nada traz ao que digo.
Faço às vezes metafísica destas, com a atenção escrupulosa e respeitosa de quem trabalha deveras e faz ciência. Já disse que chega a ser possível que a esteja realmente fazendo. O essencial é eu não me orgulhar muito com isto, dado que o orgulho é prejudicial à exata imparcialidade da precisão científica.
58 [1914?] Trecho de Livro do Desassossego de Fernando Pessoa
Penso às vezes com um agrado de bissecção na possibilidade futura de uma geografia da nossa consciência de nós próprios
A meu ver, o historiador futuro das suas próprias sensações poderá talvez reduzir a uma ciência precisa a sua atitude para com a sua consciência da sua própria alma. Por enquanto vamos em princípio nesta arte difícil — arte ainda, química de sensações no seu estado alquímico por ora. Esse cientista de depois de amanhã terá um escrúpulo especial pela sua própria vida interior. Criará de si mesmo o instrumento de precisão para a reduzir a analisada. Não vejo dificuldade essencial em construir um instrumento de precisão, para uso autoanalítico, com aços e bronzes só do pensamento. Refiro-me a aços e bronzes realmente aços e bronzes, mas do espírito. E talvez mesmo assim que ele deva ser construído. Será talvez preciso arranjar a ideia de um instrumento de precisão, materialmente vendo essa ideia, para poder proceder a uma rigorosa análise íntima. E naturalmente será necessário reduzir também o espírito a uma espécie de matéria real com uma espécie de espaço em que existe. Depende tudo isso do aguçamento extremo das nossas sensações interiores, que, levadas até onde podem ser, sem dúvida revelarão, ou criarão, em nós um espaço real como o espaço que há onde as coisas da matéria estão, e que, aliás, é irreal como coisa.
Não sei mesmo se este espaço interior não será apenas uma nova dimensão do outro. Talvez a investigação científica do futuro venha a descobrir que tudo são dimensões do mesmo espaço, nem material nem espiritual por isso. Numa dimensão viveremos corpo; na outra viveremos alma. E há talvez outras dimensões onde vivemos outras coisas igualmente reais de nós. Apraz-me às vezes deixar-me possuir pela meditação inútil do ponto até onde esta investigação pode levar.
Talvez se descubra que aquilo a que chamamos Deus, e que tão patentemente está em outro plano que não a lógica e a realidade espacial e temporal, é um nosso modo de existência, uma sensação de nós em outra dimensão do ser. Isto não me parece impossível. Os sonhos também serão talvez ou ainda outra dimensão em que vivemos, ou um cruzamento de duas dimensões; como um corpo vive na altura, na largura e no comprimento, os nossos sonhos, quem sabe, viverão no ideal, no eu e no espaço. No espaço pela sua representação visível; no ideal pela sua apresentação de outro género que a da matéria; no eu pela sua íntima dimensão de nossos. O próprio Eu, o de cada um de nós, é talvez uma dimensão divina. Tudo isto é complexo e a seu tempo, sem dúvida, será determinado. Os sonhadores atuais são talvez os grandes precursores da ciência final do futuro. Não creio, é claro, numa ciência final do futuro. Mas isso nada traz ao que digo.
Faço às vezes metafísica destas, com a atenção escrupulosa e respeitosa de quem trabalha deveras e faz ciência. Já disse que chega a ser possível que a esteja realmente fazendo. O essencial é eu não me orgulhar muito com isto, dado que o orgulho é prejudicial à exata imparcialidade da precisão científica.
58 [1914?] Fragmento de Libro del desasosiego de Fernando Pessoa
A veces pienso, con deleite por las bisectrices, en la posibilidad futura de una geografía de nuestra autoconciencia.
A mi parecer, el historiador futuro de sus propias sensaciones podrá quizá reducir a una ciencia precisa su actitud ante la conciencia de su propia alma. Por ahora vamos empezando en este difícil arte —todavía un arte, química de sensaciones en su estado alquímico por el momento—. Aquel científico de pasado mañana será especialmente escrupuloso con su propia vida interior. Creará a partir de sí mismo el instrumento de precisión para reducirla a lo analizado. No veo ninguna dificultad esencial en construir un instrumento de precisión, para uso autoanalítico, con aceros y bronces provenientes únicamente del pensamiento. Me refiero a los aceros y bronces que realmente son aceros y bronces, pero del espíritu. Y quizá sea así como debe construirse. Quizá sea necesario concebir la idea de un instrumento de precisión, viendo materialmente esa idea, para poder realizar un riguroso análisis íntimo. Y naturalmente también será necesario reducir el espíritu a una especie de materia real con una especie de espacio en el que existe. Todo ello depende de la agudeza extrema de nuestras sensaciones interiores, que, llevadas hasta donde pueden llegar, sin duda revelarán, o crearán, en nosotros un espacio real como el espacio que hay donde están las cosas materiales, y que, además, es irreal como cosa.
En verdad no sé si este espacio interior no es apenas una nueva dimensión del otro. Quizá la investigación científica del futuro descubra que todas son dimensiones del mismo espacio, por lo tanto, no sería ni material ni espiritual. En una dimensión viviremos en cuerpo; en la otra viviremos en alma. Y tal vez haya otras dimensiones en las que vivimos otras cosas igual de reales acerca de nosotros. A veces me complace dejarme poseer por la meditación inútil de hasta dónde puede llevarnos esta investigación.
Quizá se descubra que aquello a lo que llamamos Dios, y que tan patentemente está en otro plano que no es el de la lógica y la realidad espacial y temporal, es nuestro modo de existencia, una sensación nuestra en otra dimensión del ser. Esto no me parece imposible. Los sueños también serán, quizás o incluso, otra dimensión en la que vivimos, o un cruce de dos dimensiones; como un cuerpo vive en la altura, la anchura y la profundidad, nuestros sueños, quién sabe, vivirán en el ideal, en el yo y en el espacio. En el espacio por su representación visible; en el ideal por su presentación de otro tipo que no es el de la materia; en el yo por su íntima dimensión de lo nuestro. El propio Yo, el de cada uno de nosotros, es quizás una dimensión divina. Todo esto es complejo y a su debido tiempo, sin duda, se determinará. Los soñadores actuales son quizá los grandes precursores de la ciencia definitiva del futuro. No creo, por supuesto, en una ciencia definitiva del futuro. Pero eso no añade nada a lo que estoy diciendo.
A veces hago metafísica como esta, con la atención escrupulosa y respetuosa de quien de veras trabaja y hace ciencia. Ya he dicho que es posible que la esté haciendo realmente. Lo esencial es no envanecerme mucho con esto, pues la vanidad es perjudicial para la exacta imparcialidad de la precisión científica.
Pablo Alejos Flores es traductor e intérprete del inglés y del portugués. En 2023 se especializó en Traducción literaria en la Escuela Cursiva. Es miembro de Letras & Poesía, colectivo internacional de escritores donde publica poesía y cuentos de manera individual y colaborativa. En 2023 tradujo sobre vivir de Isabela Bosi, publicado por Funga Editorial en Argentina. En 2024 tradujo y editó El alienista de Machado de Assis. Ha participado en la antología poética Metapoesía de Funga Editorial, en la recopilación Lo mejor de 2022 de Letras & Poesía, y en el primer número de la revista de traducción literaria Lenguameta, con la traducción de un soneto de Gerard Manley Hopkins. Actualmente trabaja en el lanzamiento de una colección de libros, dedicada a la publicación de traducciones literarias al español.