en busca del jardín de mis madres y otros poemas
Traducción del portugués por Maite Martínez Romagosa
Texto original de Heleine Fernandes
Edición por Ángela Cuartas
Ilustración: «A Village in Brazil» de Frans Post
elegbará
abría las puertas de mi cuerpo
humo perfumado.
Yo entraba
en la casa de mis abuelos paternos
y encaraba la carranca
boca escandalosa
los dientes y la lengua
me decían: “es todo mentira”.
quedaba aturdida
puesta a prueba.
ella me tragaba
como a un huevo crudo
cascado en un vaso de mermelada.
me deglutió diversas veces
divertida con mi inexperiencia.
sometida a ese entrenamiento
sobreviví a la infancia.
santa
tardé en entender
que la casa no era de ella.
nos recibía los domingos
en camisón fino,
se movía lentamente
muy dueña del espacio.
era mi hada madrina.
nunca la encontré en otro lugar
que no fuera aquella casa
en lo alto de la montaña
en medio de la floresta.
había mucha piel
sobrante en su cuerpo,
cuando hablaba temblaban todas.
tal vez por eso hablase poco
como una santa.
sonreía,
los ojos azulados se volvían
húmedos
y dulces
a veces demasiado dulces
helados
en medio del silencio
de la cocina.
mi hada madrina tenía mucho azúcar
en la sangre,
un día se comió una caja de bombones garoto
y se durmió para siempre.
en busca del jardín de mis madres
I.
leo en alicewalker
la narrativa de esas historias que salían de los
labios de mi madre
tan naturalmente como su respiración…
y pienso en las narrativas que se escapan
de los labios
como aliento vital
humo de tabaco perfumado
soplo que viene del centro del cuerpo.
mi madre tardó mucho tiempo
en aprender
a dejarlas salir así
como quien transpira
un día de domingo
o como quien respira hondo
y suelta una carcajada desarmada.
cuando yo era niña ella compraba LPs coloridos
con narrativas de historias infantiles
y también colecciones de libros
de cuentos de hadas
pero ella misma
no contaba sus historias.
me acuerdo de una historia suya
que escuché cuando era adolescente
sobre su primera fiesta de cumpleaños
a los quince años
organizada por ella misma
con el dinero de su propio salario.
cuando su padre vio la fiesta
destruyó todo
y la cubrió de vergüenza.
creo que mi madre
se protegía de sus historias
mientras dejaba chirriando la tele prendida
mientras exigía que todo estuviera muy limpio
mientras se quejaba de mi deseo de vivir
o de la melancolía de mi padre.
mientras tanto
sus historias continuaban
borboteando en su útero
sin imagen
y sin palabra
en silencio.
todavía vibran hoy
en la piel de los hijos
los que nacieron y los que no nacieron.
¿sabré yo
traducir esos silencios
heredados
en canto perfumado
en aliento de sirena?
II.
mi madre nació en jardim
en cariri.
los pies en la sierra de araripe
la mollera mojada
en las aguas del río san francisco.
mi abuelo
después ella
y mi abuela
vinieron de allá
(repetida diáspora)
a plantar la familia acá
en el pequeño campo
que era rio de janeiro
y ya no es más.
jardim es un municipio de cariri
región metropolitana de ceará.
es el cantero de
tierra de donde brota
la literatura de cemento de mi abuelo
la literatura de letra insegura de mi abuela
la literatura de mi madre que no escribe:
la literatura que heredé
y continúo.
elegbara
abria as portas do meu corpo
fumaça cheirosa.
Eu entrava
na casa dos meus avós paternos
e encarava a carranca
boca escancarada
os dentes e a língua
diziam-me: “é tudo mentira”.
eu ficava sem chão
posta à prova.
ela me engolia
como a um ovo cru
quebrado em um copo de geleia.
me deglutiu diversas vezes
divertida com a minha inexperiência.
submetida a este treino
sobrevivi à infância.
santa
demorou até eu entender
que a casa não era dela.
nos recebia aos domingos
de camisola fina,
se movia lentamente
muito dona do espaço.
era a minha fada madrinha.
nunca encontrei ela em outro lugar
que não naquela casa
no alto da montanha
no meio da floresta.
tinha muita pele
sobrando em seu corpo,
quando falava elas tremiam todas.
talvez por isso falasse pouco
como uma santa.
sorria,
os olhos azulados ficavam
úmidos
e doces
às vezes doces demais
gelados
em meio ao silêncio
da cozinha.
a minha fada madrinha tinha muito
açúcar no sangue,
um dia comeu uma caixa de bombons garoto
e dormiu para sempre.
em busca do jardim de minhas mães
I.
leio em alicewalker
a narrativa dessas histórias que saíam dos
lábios da minha mãe
tão naturalmente quanto sua respiração…
e penso nas narrativas que escapam
dos lábios
como hálito vital
fumaça de tabaco cheiroso
sopro que vem do meio do corpo.
minha mãe demorou muito tempo
para aprender
a deixá-las sair assim
como quem transpira
em um dia de domingo
ou como quem respira fundo
e dá uma gargalhada desarmada.
quando eu era criança ela comprava LPs coloridos
com narrativas de histórias infantis
e também coleções de livros
de contos de fadas
mas ela mesma
não contava suas histórias.
lembro de uma história sua
que ouvi quando era adolescente
sobre sua primeira festa de aniversário
aos quinze anos
organizada por ela mesma
com o dinheiro de seu próprio salário.
quando o pai viu a festa
destruiu tudo
e a cobriu de vergonha.
acho que minha mãe
se protegia de suas histórias
enquanto mantinha chiando a TV ligada
enquanto exigia que tudo estivesse muito limpo
enquanto reclamava do meu desejo de viver
ou da melancolia de meu pai.
enquanto isso
suas histórias continuavam
borbulhando em seu útero
sem imagem
e sem palavra
em silêncio.
elas vibram ainda hoje
na pele dos filhos
os que nasceram e os que não nasceram.
saberei eu
traduzir esses silêncios
herdados
em canto cheiroso
em hálito de sereia?
II.
minha mãe nasceu em jardim
no cariri.
os pés na chapada do araripe
a moleira molhada
nas águas do rio são francisco.
meu avô
depois ela
e minha avó
vieram de lá
(repetida diáspora)
plantar a família aqui
na roça pequena
que era o rio de janeiro
e já não é mais.
jardim é um município do cariri
região metropolitana do ceará.
é o canteiro de
terra de onde brota
a literatura de cimento do meu avô
a literatura de letra insegura de minha avó
a literatura de minha mãe que não escreve:
a literatura que herdei
e continuo.
elegbara
abria as portas do meu corpo
fumaça cheirosa.
Eu entrava
na casa dos meus avós paternos
e encarava a carranca
boca escancarada
os dentes e a língua
diziam-me: “é tudo mentira”.
eu ficava sem chão
posta à prova.
ela me engolia
como a um ovo cru
quebrado em um copo de geleia.
me deglutiu diversas vezes
divertida com a minha inexperiência.
submetida a este treino
sobrevivi à infância.
santa
demorou até eu entender
que a casa não era dela.
nos recebia aos domingos
de camisola fina,
se movia lentamente
muito dona do espaço.
era a minha fada madrinha.
nunca encontrei ela em outro lugar
que não naquela casa
no alto da montanha
no meio da floresta.
tinha muita pele
sobrando em seu corpo,
quando falava elas tremiam todas.
talvez por isso falasse pouco
como uma santa.
sorria,
os olhos azulados ficavam
úmidos
e doces
às vezes doces demais
gelados
em meio ao silêncio
da cozinha.
a minha fada madrinha tinha muito
açúcar no sangue,
um dia comeu uma caixa de bombons garoto
e dormiu para sempre.
em busca do jardim de minhas mães
I.
leio em alicewalker
a narrativa dessas histórias que saíam dos
lábios da minha mãe
tão naturalmente quanto sua respiração…
e penso nas narrativas que escapam
dos lábios
como hálito vital
fumaça de tabaco cheiroso
sopro que vem do meio do corpo.
minha mãe demorou muito tempo
para aprender
a deixá-las sair assim
como quem transpira
em um dia de domingo
ou como quem respira fundo
e dá uma gargalhada desarmada.
quando eu era criança ela comprava LPs coloridos
com narrativas de histórias infantis
e também coleções de livros
de contos de fadas
mas ela mesma
não contava suas histórias.
lembro de uma história sua
que ouvi quando era adolescente
sobre sua primeira festa de aniversário
aos quinze anos
organizada por ela mesma
com o dinheiro de seu próprio salário.
quando o pai viu a festa
destruiu tudo
e a cobriu de vergonha.
acho que minha mãe
se protegia de suas histórias
enquanto mantinha chiando a TV ligada
enquanto exigia que tudo estivesse muito limpo
enquanto reclamava do meu desejo de viver
ou da melancolia de meu pai.
enquanto isso
suas histórias continuavam
borbulhando em seu útero
sem imagem
e sem palavra
em silêncio.
elas vibram ainda hoje
na pele dos filhos
os que nasceram e os que não nasceram.
saberei eu
traduzir esses silêncios
herdados
em canto cheiroso
em hálito de sereia?
II.
minha mãe nasceu em jardim
no cariri.
os pés na chapada do araripe
a moleira molhada
nas águas do rio são francisco.
meu avô
depois ela
e minha avó
vieram de lá
(repetida diáspora)
plantar a família aqui
na roça pequena
que era o rio de janeiro
e já não é mais.
jardim é um município do cariri
região metropolitana do ceará.
é o canteiro de
terra de onde brota
a literatura de cimento do meu avô
a literatura de letra insegura de minha avó
a literatura de minha mãe que não escreve:
a literatura que herdei
e continuo.
elegbará
abría las puertas de mi cuerpo
humo perfumado.
Yo entraba
en la casa de mis abuelos paternos
y encaraba la carranca
boca escandalosa
los dientes y la lengua
me decían: “es todo mentira”.
quedaba aturdida
puesta a prueba.
ella me tragaba
como a un huevo crudo
cascado en un vaso de mermelada.
me deglutió diversas veces
divertida con mi inexperiencia.
sometida a ese entrenamiento
sobreviví a la infancia.
santa
tardé en entender
que la casa no era de ella.
nos recibía los domingos
en camisón fino,
se movía lentamente
muy dueña del espacio.
era mi hada madrina.
nunca la encontré en otro lugar
que no fuera aquella casa
en lo alto de la montaña
en medio de la floresta.
había mucha piel
sobrante en su cuerpo,
cuando hablaba temblaban todas.
tal vez por eso hablase poco
como una santa.
sonreía,
los ojos azulados se volvían
húmedos
y dulces
a veces demasiado dulces
helados
en medio del silencio
de la cocina.
mi hada madrina tenía mucho azúcar
en la sangre,
un día se comió una caja de bombones garoto
y se durmió para siempre.
en busca del jardín de mis madres
I.
leo en alicewalker
la narrativa de esas historias que salían de los
labios de mi madre
tan naturalmente como su respiración…
y pienso en las narrativas que se escapan
de los labios
como aliento vital
humo de tabaco perfumado
soplo que viene del centro del cuerpo.
mi madre tardó mucho tiempo
en aprender
a dejarlas salir así
como quien transpira
un día de domingo
o como quien respira hondo
y suelta una carcajada desarmada.
cuando yo era niña ella compraba LPs coloridos
con narrativas de historias infantiles
y también colecciones de libros
de cuentos de hadas
pero ella misma
no contaba sus historias.
me acuerdo de una historia suya
que escuché cuando era adolescente
sobre su primera fiesta de cumpleaños
a los quince años
organizada por ella misma
con el dinero de su propio salario.
cuando su padre vio la fiesta
destruyó todo
y la cubrió de vergüenza.
creo que mi madre
se protegía de sus historias
mientras dejaba chirriando la tele prendida
mientras exigía que todo estuviera muy limpio
mientras se quejaba de mi deseo de vivir
o de la melancolía de mi padre.
mientras tanto
sus historias continuaban
borboteando en su útero
sin imagen
y sin palabra
en silencio.
todavía vibran hoy
en la piel de los hijos
los que nacieron y los que no nacieron.
¿sabré yo
traducir esos silencios
heredados
en canto perfumado
en aliento de sirena?
II.
mi madre nació en jardim
en cariri.
los pies en la sierra de araripe
la mollera mojada
en las aguas del río san francisco.
mi abuelo
después ella
y mi abuela
vinieron de allá
(repetida diáspora)
a plantar la familia acá
en el pequeño campo
que era rio de janeiro
y ya no es más.
jardim es un municipio de cariri
región metropolitana de ceará.
es el cantero de
tierra de donde brota
la literatura de cemento de mi abuelo
la literatura de letra insegura de mi abuela
la literatura de mi madre que no escribe:
la literatura que heredé
y continúo.
Maite Martínez Romagosa es profesora y traductora. Es Doctora en Lingüística de la Universidad de Buenos Aires (Argentina) y Licenciada y Profesora en Letras por la misma universidad. Dicta cursos de grado de lingüística en la Universidad de San Martín, la Universidad Pedagógica Nacional y la Universidad de Buenos Aires. Está finalizando sus estudios en la Especialización en Traducción Literaria del Portugués en la Facultad de Filosofía y Letras de la UBA. Estudia la diversidad en las variedades de lengua en la traducción al español rioplatense de poesía y narrativa de autoría femenina brasileña. Actualmente, trabaja en la traducción de Pagu y Carolina Maria de Jesus.